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Em política, impossível contar tudo

Vou falhar, e vou esquecer muitos fatos importantes de nossa política local. A razão é que  nossa cidade carrega um ano a menos do que eu, logo, impossível reter fatos do movimento político quando tudo era apenas uma vila de gente combativa (como até hoje) para os meus olhos de criança. Subalterna a Itabuna, o vereador de Vila Macuco tinha seu campo de embate na sede, obviamente. Portanto, somente os da política acompanhavam essa natureza guerreira da população. Não desejo fazer injustiça, porém, o mais aguerrido historicamente foi Paulo Portela por cujas mãos a vila ganhou status de cidade em 1959. E, como é quase lógico, foi o primeiro prefeito e fez distinta figura.

Mas eu quero rememorar o assunto do transporte. Itabuna era um tal de perto longe e a gente tinha sempre a Marinetti saindo da bucólica praça metamorfa como até hoje. Nesse tempo era uma pequena rodoviária que servia também de passagem para os ônibus da velha Sulba em direção ao sul de Buerarema. Pois bem, queria também lembrar – um pouco por provocação – a história da BR-251. É aquela estradinha do cemitério novo que, segundo contam, foi a primeira rodagem de ligação do interior com o litoral (Ilhéus) desde 1922. Evidentemente que não possuía o mesmo formato de hoje. Até outro dia no bairro da Conceição em Itabuna havia a rua Buerarema, antiga saída que também dava  acesso a Ilhéus e que se chamava popularmente Buerarema-Pontal. Pois bem, a BR-251 segue pelo sul e extremo sul da Bahia e passa por Minas e morre no Goiás. Mas o corte feito pela BR-101 cortou também a memória histórica dessa rodagem (Buerarema-Pontal) escanteada.

O que tem isso a ver com a história política da Buerarema? Obviamente quer dizer que a ex-vila Macuco preferiu manter seus laços com Itabuna e não procurou expandí-los economicamente na direção de Ilhéus. Como até hoje. Vislumbrar uma saída própria pra Ilhéus poderia reconfigurar nossa economia. Afinal, política e economia vivem de braços dados. Buerarema sempre girou em torno da autoridade política e religiosa da Igreja Batista e da Igreja Católica. Os destaques da minha memória fixaram os nomes do Pastor Freitas, também rábula, e do Padre Granja. Harmoniosamente, cada qual em seu campo, os dois comandavam a cidade sob a égide da retidão e dos princípios morais que comandam a convivência dos cidadãos. E os cidadãos eram, realmente, de bem.

Buerarema tinha apenas uma saída: através da rua Itabuna, bem na cabeceira daquela ponte do Ribeirão Seco (que na época eram outras águas) . Paulo Portela então (anos 60) imaginou essa nova saída pelo Enedina Oliva. Foi um tumulto, mas o prefeito era destemido. A obra se revelou hercúlea em razão das pedreiras que estão lá expostas e, finalmente, rasgadas. Não por Paulo Portela, que morreu precocemente. Mas antes de sua morte enfrentou a oposição de um ex-auxiliar chamado Ernandi Lins, um populista inato que governou a cidade depois dele quantas vezes desejou. O embate entre os dois criou um fenômeno extraordinário na cidade: o partido dos Miudinhos e Graúdos. Prato cheio para o discurso populista. Nas urnas, Paulo Portela sempre saiu derrotado e deprimido.

Final dos anos 70 (1976) escolheram um jovem chamado Solivaldo de Jesus Andrade para representar os Graúdos (ansiosos por uma vitória) contra os Miudinhos. Foi uma espécie de movimento da juventude classe média no sentido de convencer o eleitorado popular a votar no projeto dos Graúdos. Os comícios eram festas nas fazendas, os discursos muito inflamados apontando a possibilidade de novos caminhos e os grupos de jovens andando por todos os cantos do município com mensagens para os setores menos favorecidos. Foi uma surpreendente vitória sobre os Miudinhos. E, também, uma esperança de melhoria da infraestrutura de Buerarema. Infelizmente, as tradicionais circunstâncias de fazer o Executivo refém no Brasil se impuseram e o governo de Solivaldo patinou.

A propósito, no governo Solivaldo há um episódio fenomenal no capítulo da Cultura: as forças ocultas que se movem pelas prefeituras, ligando-as às esferas superiores resolveram dotar Buerarema do primeiro Centro de Cultura da Bahia. Foi um reboliço nessa praça principal. Faltando, talvez, menos de um terço pra finalizar a obra faltou dinheiro e o equipamento virou um charco, morada de mosquitos, prejudicando o comércio. Era uma estrutura grandiosa (teatro, anfiteatro, rampa de skate etc) que, se houvesse sido concluída, projetaria Buerarema definitivamente (devido ao pendor da cidade para a arte e a cultura) como a principal fonte geradora da movimentação cultural e artística regional. Solivaldo perdeu a eleição para ninguém menos do que Ernandi Lins que estimulou o povo em fúria a demolir o equipamento a marretadas. Início dos anos 80 e a cidade voltou para as mãos da mediocridade populista.

Quase final dos anos 80, os progressistas tentaram retomar o poder através de um jovem estudante de Direito: Paulo Cézar Ganem. Provavelmente foi, talvez, a maior empatia e um grande envolvimento popular já vivido na História de Buerarema. Chegavam diariamente contribuições da juventude e a comunidade resolveu fazer campanha espontaneamente. Mas no meio do caminho havia uma pedra: o distrito de São José e as forças arraigadas ao atraso. Paulo Cézar perdeu a eleição por algo em torno de 300 votos (S. José fez a diferença). Bateu na trave como se diz no popular. E nesse embate, logo tudo ficou claro: São José se transformou em cidade.

Nos anos 90, os nomes de Ernandi Lins e Orlando Filho se revezando/dobrando no poder. Insignificantes mudanças, apenas um expansionismo descontrolado em razão da vassoura de bruxa (que reduziu drasticamente a produção do cacau) que expulsou um contingente populacional significativo de habitantes da zona rural. A cidade se empobreceu e tomou um ar de favela. Nos anos 2000 alguns gestores promoveram um grande imbróglio judicial e a administração passou grande parte em suspenso. Na segunda década do século XXI a cidade volta a se alinhar com os princípios de uma gestão comprometida com a comunidade.

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Gideon Rosa

Ator, jornalista, bacacharel em Comunicação pela Universidade Federal da Bahia (1982) e Mestre em Artes Cênicas pela Escola de Teatro da UFBA (2006), Diretor Artístico voluntário e cofundador da Casa de Cultura Jonas e Pilar desde 2012.

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